Desde 2023, ao menos 275 pessoas atendidas na UPA Arlindo Corrêa, em Biguaçu, precisaram de internação hospitalar, mas não conseguiram vaga no Hospital Helmuth Nass. Os casos foram encaminhados pelos profissionais da própria unidade de pronto-atendimento, mas todos foram recusados. O cenário tem gerado revolta entre médicos, familiares e servidores da saúde.
De acordo com relatos recebidos pela reportagem, o problema é recorrente. Antes mesmo da regulação oficial do Estado, médicos da UPA chegavam a passar horas ao telefone tentando viabilizar vagas. Em várias ocasiões, a equipe recebia a promessa de leito reservado. Contudo, após a preparação do paciente para a transferência, novas exigências de exames e informações eram feitas – e, ao fim, o hospital alegava não haver mais vaga disponível mesmo ser uma constante ter leitos vazios.
Mesmo com a regulação estadual, a situação persiste. Segundo profissionais da UPA, o Hospital de Biguaçu adota uma postura burocrática e evasiva, solicitando repetidamente documentos e resultados, para depois negar a internação. Em diversos casos, a recusa em admitir pacientes locais tem provocado sofrimento e, em situação extrema, a morte de uma pessoa que aguardava por atendimento hospitalar adequado. Foi o caso de uma idosa em estado paliativo, que permaneceu dias em leito de isolamento na UPA por falta de vaga no hospital. Chegaram a comprar comida especial para a paciente, que precisava ser alimentada por sonda, além de relatar a ausência de banho adequado e estrutura mínima. A paciente veio a óbito sem ser transferida. A família acionou o Ministério Público, mas também demonstrou gratidão ao esforço dos médicos e enfermeiros da UPA diante das dificuldades enfrentadas.
Em outra situação, moradores pediram que os pacientes permanecessem mais de 24 horas na UPA, para evitar transferências para municípios distantes como Santo Amaro e Angelina, por falta de condições para visitar os familiares. Em maio deste ano, uma paciente foi inicialmente recusada pelo Hospital de Biguaçu e só conseguiu internação após insistência da família, sendo regulada posteriormente para o Hospital Regional de São José.
Além da recusa sistemática às transferências, médicos da UPA relatam desrespeito por parte de colegas do Hospital de Biguaçu. Segundo os relatos, é comum que profissionais da unidade hospitalar questionem diagnósticos e condutas da equipe de pronto atendimento, colocando em dúvida a competência dos médicos da UPA. “Nos tratam como se fôssemos inexperientes ou estúpidos na medicina”, relatou um servidor.
As críticas se estendem ainda à gestão do hospital, que, segundo denúncias, não respeita nem mesmo a autoridade da Secretaria Municipal de Saúde de Biguaçu, ignorando solicitações oficiais e desconsiderando as necessidades da população local.
Vale lembrar que o hospital Helmuth Nass recebe todos os meses dois repasses fixos: R$1.852.000,00 do ministério da saúde e R$ 810.000,00 da secretaria estadual totalizando R$ 2.662.000,00 (dois milhões, seiscentos e sessenta e dois mil reais). Nesse valor não estão computados os repasses variáveis que são de acordo com o número de cirurgias que o hospital faz. Já o município de Biguaçu concede o prédio e a equipe de regulação que faz o agendamento no sistema – SISREG.
Outro lado
Foto: Gabriel Scalcon, diretor do hospital de Biguaçu, mais uma vez esquivou-se dos esclarecimentos (Foto Divulgação)
A reportagem do jornais em Foco entrou em contato via whats app com o diretor geral da São Camilo, entidade que gerencia o hospital, Gabriel Scalcon para saber quais as justificativas por não receber esses 275 pacientes oriundos da UPA Arlindo Correia. Como é de praxe, Scalcon fugiu dos questionamentos e perdeu a oportunidade para dar uma resposta pública sobre essas negativas até para confortar, se existe uma resposta convincente, para esses pacientes e seus familiares.
Outro questionamento que o jornal fez foi para a secretária de saúde de Biguaçu, Ana Flávia de Almeida. Queríamos saber qual o posicionamento do órgão municipal sobre esse fato: de o hospital da cidade dizer não aos pacientes que buscam internação nele. Almeida respondeu o seguinte:
Foto: Ana Flávia de Almeida: “as alegações do hospital para as negativas são baseadas em critérios clínicos”
“A regulação de leitos é realizada através do sistema SISREG, e a gestão de leitos feita pela SES - Secretaria de Estado da Saúde”,
“As alegações (do hospital) para as negativas são variadas e baseadas em critérios clínicos estabelecidos pelo médico assistente”,
“Em relação a baixa taxa de ocupação a Secretaria municipal tem feito o acompanhamento e a informação para os sistemas do estado e do Ministério da Saúde. Realizamos também um estudo em conjunto com a SES para realizar um vocacionamento para o hospital, de acordo com a necessidade da região. Os leitos de retaguarda, bem como os leitos de UTI fazem parte de um planejamento regional. Em conversa com a secretaria de estado, a sugestão é fazer o desconto do repasse estadual, de acordo com o bloqueio dos leitos sem critério”.
Pelo jeito e graças a Deus, os “critérios clínicos” adotados pelo hospital de Biguaçu, administrado pela São Camilo, não são os mesmos critérios dos outros hospitais que acabaram recebendo os 275 pacientes, a maioria deles de Biguaçu, para internação, por causa das negativas do Helmuth Nass.
Outras reportagens
As falhas na condução do hospital já foram objetos de reportagens anteriores. Vale salientar que praticamente em todas elas o jornal procurou o posicionamento oficial da São Camilo (entidade que administra o hospital), na pessoa de Gabriel Scalcon, sobre os temas ali abordados. Lamentavelmente o diretor nunca respondeu e optou em não fazer o devido esclarecimento. Diante da indiferença de Scalcon em responder, sendo ele o gestor geral do hospital, conclui-se a "empatia" que ele tem com as pessoas e fica claro a cruz que esses 275 pacientes passaram. O que será feito a respeito? Cadê a câmara de vereadores que não questionam nada? Em vez de ficarem homologando moção de aplausos porque nenhum vereador abençoado não conclama o diretor Gabriel para dar escalerecimentos? E a prefeitura? Continuará deixando biguaçuenses em macas na UPA precisando de internação e fazendo de conta que não vê o que está acontecendo?
Abaixo os links dessas reportagens
Foto: Desde 2023, UPA Arlindo Corrêa enfrenta dificuldade para conseguir internações de pacientes no hospital do próprio município (Foto Divulgação)