Coluna Miguel Simão: Anastácio Soares Filho - Seu Tacinho

Texto: Professor Miguel João Simão

Escritor e Pesquisador.

 

Uma casa construída em madeira, com suas cores desbotadas pelo tempo, traz em suas paredes internas fotos penduradas em pequenos quadros, que acusam a história de toda a família de Tacinho.

A lágrima lhe vem aos olhos, quando pega a foto da esposa, falecida em 2019. Faz uma viagem ao tempo, e junto vem as lembranças dos pais e de todos os irmãos que já partiram para a eternidade.

Anastácio Soares Filho nasceu em 06 de setembro de 1934, e é filho de Anastácio Cândido Soares e de Maria Francisca Lobo.

O casal teve 9 filhos, sendo Tacinho o mais velho, levou o nome do pai e recebeu o apelido de “Tacinho”, que era chamado de forma carinhosa pela família.

O pai (Anastácio Cândido Soares, 1887 – 1965), teve 3 casamentos e deixou muitos filhos.

Da primeira união, com a senhora Leopoldina Julia Alves (1888 – 1975), teve o filho Amélio (1909-1964)

Do segundo casamento com a senhora Antonia Luciana Soares (1887 – 1945), teve os filhos: Maria Antonia (1911 -1984), Arnaldo (1914 -1984), Abdon (1916 -1984), Bertoldo (1917 -1965), Ereteu (1918 -1971), Alda (1919-1927), Analia (1920 -1927), Julimia (1922 -1976), Aurea ( 1924 -1984), Zenaide (1925 -2008), Alda (1928 -1997).

E por fim, casou com Cândida, com quem viveu seus últimos anos na Fazenda da Armação, e tiveram 8 filhos, falecendo 5 ainda crianças.

Tacinho, o filho mais velho (de Anastácio com Cândida), e o único que vive, guarda muito respeito pela memória do pai, e a todo instante diz que o pai foi muito bom para eles.

Fazenda da Armação, até a década dos anos de 1960, era uma comunidade isolada, sendo que a primeira estrada que ligou a comunidade pesqueira a outras comunidades, até a BR 101, só foi inaugurada em 1968, pelo prefeito Miguel Pedro dos Santos (Miguel Flor).

Antes disso, o único meio de transporte era pelo mar, ou através de trilhas que adentrava mato a fora.

Os homens da comunidade viviam quase todos da pesca e quando desejavam ganhar um pouquinho a mais, tinham que se aventurar a buscar outros mares, novos tipos de pesca, sendo que nas décadas dos anos de 1940/50 e 60, a maioria daquela região iam para o Rio Grande do Sul, para a pesca de rede.

O filho de Anastácio Soares não fez diferente.

Desde novinho trabalhava com o pai e um dos irmãos na pesca artesanal, na região de Fazenda da Armação.

Aos 16 anos de idade, se aventurou e foi para o Rio Grande, numa viagem ao qual consegue descrever com muitos detalhes.

“Coloquei um saco com roupas nas costas, e sai daqui com 16 anos de idade, ainda um menino. Fui para Florianópolis de lancha, e de lá a gente foi de caminhão, na carroceria em meio aos cachos de bananas e cascas de árvores que levavam para fazer tinta para conservação das redes). A gente chegava lá moído, mas valia a pena, tinha mesmo que arriscar pra poder ganhar um dinheirinho. Meu pai não tinha INPS e nem era aposentado, eu tinha preocupação com o meu pai e com a minha mãe. Sempre me preocupei com eles, tanto que sempre cuidei deles até eles morrerem.                 Lá era assim, a gente trabalhava por temporada, eram três safras, que duravam mais ou menos 9 meses. Quando terminava as safras a gente vinha para casa.

Passei lá 9 temporadas, e isso me rendeu um dinheiro, porque eu economizava. Nunca fui “misera”, mas sabia economizar.

Depois vim pra cá de vez. Tive embarcado nas traineiras e até comprei uma lancha pra mim”.

Aos 26 anos de idade, Tacinho casou com Ione Maria Soares (1942 – 2019), filha de Cirino José Venancio e Maria José Venancio.

O casal Cirino e Maria eram naturais de Ganchos do Meio, mas moravam na Fazenda da Armação, por isso Ione foi criada no bairro.

Embora havendo um pouco de resistência no início do namoro por parte do pai de Ione, isso não foi muro para separá-lo, pois como falou Tacinho: “ A gente tem que saber a hora certa para falar as coisas. No começo ele (sogro) não aceitava o namoro, mas depois viu que eu era trabalhador, de boa família, e que tinha boas intenções com a filha dele. A gente se casou, criamos os filhos e foi tudo muito bom. Hoje sinto muita saudade dela, muita mesmo”

E completa, lamentando os entes queridos que se foram: “ Perdi meus pais, meus irmãos, minha esposa, já não tenho muito o que fazer por aqui”

Dessa união com Ione, eles tiveram 11 filhos, dos quais 5 faleceram quando pequenos.

“ Foi um tempo difícil para criar filhos, a gente não tinha recursos e era muita doença que atacava as crianças. Eu mesmo levei nas minhas costas 4 caixãozinhos (as lágrimas lhes desceram ao rosto, quando fez esse relato). Não teve uma alma para acompanhar, ninguém acompanhou. Foi um atrás do outro, tempo a tempo, tudo por doenças, tudo na idade entre 1 a 2 e 3 anos de idade. Era um sofrimento pra gente. Eu mesmo cavei a cova do primeiro, e depois quando morreram os outros, coloquei um no lado do outro. Era daqui na Armação, naquele tempo sem estrada.                          Ai depois mais tarde perdemos outra, já maiorzinha, mas essa era doente desde pequena”.

O casal criou 6 filhos, (4 homens e 2 mulheres), todos encaminhados a vida e bem casados, que moram na região, sendo que as maiorias moram pertinho de Anastácio.

DO DESENVOLVIMENTO DA FAZENDA, DAS FESTAS E DO TRABALHO.

Tacinho sente-se feliz por ter construído uma família de bem.

Foi muita luta e muito trabalho dedicado a pesca, mas teve a alegria de ter ao seu lado uma companheira leal que lhe dava forças.

Fazenda da Armação só começou a se desenvolver quando foi aberta a estrada que ligaria aos bairros vizinhos, até a BR 101.

“Isso aqui era tudo muito isolado do mundo. Meus padrinhos eram o Valdemiro Lobo e a esposa dele, a Izaura, moradores do Canto dos Ganchos, era um trabalho para eu ir lá ver eles. Gostava muito deles.

Essa estrada foi aberta quando o seu Miguel Flor foi prefeito, cansei de ouvir gente falar: é mais fácil criar cabelo na palma da mão, do que um dia isso aqui ter uma estrada. Num matagal desse ninguém não tem prefeito que faça. Pois o homem veio e fez mesmo. Tinha uns pretos que trabalhavam na abertura da estrada, ai o pai dizia para quando eles pedirem cigarros dá para eles, porque coitados trabalhavam no enxadão, cavando barranco. Tinha um tratorzinho e uma caçamba, e o mais era os homens pegando na pá, na enxada para dar conta”.

Sei Tacinho fala da abertura da estrada com alegria, por ter presenciado o antes e o depois. Viu com os próprios olhos as dificuldades que as famílias passaram. Sabe certinho as poucas casas que o vilarejo de pescadores tinha na época e dos seus moradores.

Hoje, feliz conta que viu o bairro se desenvolver, fala da chegada do asfalto. “ O Anísio (prefeito) que trouxe esse asfalto, pelo mesmo lugar que seu Miguel Flor, abriu a primeira estrada, tudo se modifica. Pouco dias esse prefeito de agora, o Marquinhos inaugurou o asfalto da cova da onça, tudo fica bom assim.

Aos 88 anos, rodeados pelo filhos e netos que residem próximos, ele se sente feliz, por ainda poder fazer as pequenas tarefas da casa, onde mora sozinho.


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