Texto: Professor Miguel João Simão
Escritor e Pesquisador
Todos os anos acontece o defeso da pesca do camarão sete barbas, época em que os pescadores aproveitam para fazerem reparos nas embarcações.
Depois de um ano no mar, é necessário uma boa vistoria e consertos e pinturas do patrimônio do homem do mar, objeto de trabalho que lhes dão sustento aos pescadores.
E nessas épocas João do Có, recolhia sua embarcação, geralmente na praia de Ganchos de Fora, para uma boa inspeção, e se caso fosse uma boa restauração nas partes afetadas.
No ano de 2008 encontrei o filho da dona Quica em Ganchos de Fora, trabalhando para seu barco ficar impecável.
A cada lixada na madeira para extrair a tinta velha, a cada tábua que precisava ser trocada, era sob os olhares vigilantes do pescador que isso acontecia.
João, tinha um zelo grande pela embarcação que obteve em resultado a muito trabalho e muitas noites de dedicação no mar.
Preparar as ferramentas para quando iniciar a pesca é o que os filhos do mar fazem com cuidado e com esmero, e isso João dava uma atenção especial.
Quando o sol se punha, deixava ela a praia e seguia seu caminho ao bairro vizinho, sua terra natal, terra de seus ancestrais, e que formou família com a filha do Mestre Joca.
João, era filho de João Norberto Bittencourt, o seu Có (1927 – 2001), e dona Lindaura Santos Bittencourt, a dona Quica (1932).
Nascido e criado em Canto dos Ganchos, em Governador Celso Ramos, em 14 de abril de 1953, João, o filho mais velho do casal Có e Quica, teve uma vida simples como todo filho de pescador da época.
Corria pelas pedras e tomava banho de mar, num tempo saudável em que todos seus contemporâneos viviam, estudava e trabalhava, já desde a tenra idade para ajudar em casa.
Foi criado sob os olhares dos pais que entendiam que escola era lugar de criança estudar e respeitar os mais velhos e os colegas, e que na rua não podiam mexer em nada de ninguém sem autorização.
Dessa forma tornou-se um rapaz educado e trabalhador, se espelhando no pai como exemplo de dignidade e de homem honesto.
E assim, o tempo passou e João foi cumprindo a tradição do lugar, tirar os documentos para buscar novos horizontes. Santos foi o destino para o jovem que nunca tinha saído das terras de Ganchos.
Num abraço apertado e com lágrimas nos olhos, dona Quica se despede do primogênito que deixa a terra onde nasceu para alçar outros voos.
A expectativa de novos caminhos, de encontrar conterrâneos, de poder ter seu primeiro embarque num barco industrial, fazia o coração bater forte, era a busca pelo desconhecido, mas a certeza de poder investir no futuro.
Nas terras paulistas, no porto de Santos João embarca e a exemplo de gancheiros que lhes antecederam, vai rumo ao pesqueiro.
São em média 15 a 20 dias de mar, dentro de um barco pesqueiro em companhia de mais 5 ou 6 pessoas. São novas experiências que ganhava e novos sonhos que vinham a cabeça.
A saudade, velha companheira, lhe faz companhia o tempo todo, e nas músicas de um rádio de pilha, o jovem pescador viaja pelas ondas pelas ondas da esperança, torcendo para que logo chegue o dia de retornar ao doce lar.
João do Có não era um jovem aventureiro, era um moço preparado para ganhar a vida trabalhando e se espelhando naqueles que fizeram história na pesca.
Logo conquistou seu sonho de aprender bem a função e tornou-se um profissional da pesca.
Depois de passar uma boa temporada no trabalho, retorna a casa e começa a namorar com Ida, a filha do mestre Joca.
Ida, é de família nativa de Canto dos Ganchos, criada nas proximidades da casa de João, por isso se conheciam desde crianças.
Os avós paternos, Norberto Daniel Bittencourt (1897 -1969), pai de João Norberto Bittencourt, seu Có, era irmão de Emílio Daniel Bittencourt (1891 – 1929), pai de João Emílio de Bittencourt, popularmente conhecido por Mestre Joca.
Ida, a filha de dona Coquinha e de seu Joca namorou e casou com o pescador João, ainda jovem e logo apareceram os filhos: Robson em (1976), Ramon em (1979) e Rudson (1991).
O casal, João e Ida, tiveram seus momentos de lutas para conquistar uma vida saudável e de bem aos pequenos filhos.
João tornou-se Mestre de barcos, desejo da maioria dos pescadores que vivem em alto mar, e com isso pode dar uma vida melhor para a família.
Depois de tempos, com os filhos criados, o pescador passa a investir na pesca artesanal, adquirindo uma embarcação, ficando mais tempo próximo da esposa e dos filhos.
João da Ida era um homem católico, dedicado a igreja e por isso aprendeu a tocar violão para ajudar nas missas.
Não era pretencioso ao ponto de sonhar em ser um profissional da música, mas era seu hobby preferido, um amante da música e do violão.
Volta ou outra fazia as cordas do velho violão, seu companheiro dançarem sobre seus dedos no antigo bar do Tica para distrair os amigos. Aos domingos na capela do bairro era um animador das missas.
Era sonhos de criança que se uniam ao desejo de ver amigos contentes e felizes, era dessa forma que João viveu seus últimos tempos na comunidade onde nasceu, criou seus filhos, se fez marido e bom filho.
De forma repentina o pescador tem um mal súbito e não resiste muito tempo, vindo a falecer no dia11 de maio de 2009.
João Bittencourte Filho, o João da Ida, filho da dona Lindaura e do seu João Norberto, deixou inconsoláveis os filhos, a esposa, a mãe demais familiares.
João do Có, um homem que ajudou a escrever páginas na história de Canto dos Ganchos.