Por Décio Baixo Alves
Carla Zambelli é um dos maiores expoentes da transformação política que o Brasil viveu após a Operação Lava Jato. A operação que desvendou um bilionário esquema de corrupção na Petrobras e levou à prisão figuras centrais da política nacional — incluindo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva — alimentou uma onda de revolta popular que se traduziu em força digital. Surgiu, então, uma nova leva de personalidades que, com críticas duras à corrupção, conquistaram milhões de seguidores nas redes sociais e transformaram essa influência virtual em votos reais.
Zambelli foi um exemplo clássico dessa guinada. Em 2018, foi eleita deputada federal por São Paulo com 76.306 votos, mas seu verdadeiro salto veio em 2022, quando conquistou 946.244 votos e se tornou a terceira deputada mais votada do estado. Sua força nunca esteve nos corredores da política tradicional, nem no trabalho de base, tampouco em projetos consistentes — ela foi moldada no Instagram, no Facebook, no algoritmo.
Mas o caso de Zambelli é também o símbolo mais ruidoso de como essa lógica de eleição via redes sociais pode ruir de forma espetacular. No momento mais decisivo da campanha presidencial de 2022, ela sacou uma arma e correu atrás de um cidadão negro pelas ruas de São Paulo, um episódio filmado e amplamente divulgado. Jair Bolsonaro, seu maior aliado político, não hesitou: disse publicamente que perdeu a eleição para Lula por conta daquela atitude. Afirmou que o gesto de Zambelli afastou votos preciosos em uma disputa marcada por margem apertada. Ela, por sua vez, se disse abalada e magoada, mas não desmentiu os fatos.
A queda se consolidou com a condenação da deputada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Carla Zambelli foi sentenciada a 10 anos e 8 meses de prisão, em regime inicialmente fechado, pelo crime de incitação à tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, no episódio em que contratou o hacker Walter Delgatti Neto — atualmente preso — para invadir sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A intenção era simular uma falsa ordem do ministro Alexandre de Moraes, sugerindo um ataque ao próprio sistema judiciário. A pena incluiu também os crimes de invasão de dispositivo informático e associação criminosa, o que agravou a condenação.
Já o episódio em que Zambelli sacou uma arma e perseguiu um cidadão às vésperas da eleição presidencial de 2022 ainda está em julgamento. A Procuradoria-Geral da República já a denunciou pelos crimes de porte ilegal de arma de fogo e constrangimento ilegal com uso de arma, e o caso deve avançar no Supremo. A expectativa é de nova condenação, o que pode somar penas ainda mais pesadas ao seu histórico criminal.
Após a sentença no caso do hacker, Zambelli deixou o Brasil rumo à Itália, alegando cidadania italiana. Foi presa nesta semana por autoridades italianas, e o governo brasileiro já acionou os mecanismos de cooperação internacional para requerer sua extradição. Enquanto sua defesa tenta evitar o retorno ao Brasil, sua imagem política desmorona.
O fenômeno que a levou ao Congresso Nacional não foi isolado. Nomes como Nicolas Ferreira (o deputado federal mais votado do Brasil em 2022), Kim Kataguiri, Arthur Duval (conhecido como “Mamãe Falei”), Joyce Hasselmann, Cleitinho, entre outros, também emergiram com força pelas redes sociais. Muitos deles sem trajetória prévia, sem trabalho de base, sem histórico comunitário ou político real. Apenas likes, memes, cortes de vídeos, frases de efeito e engajamento.
Um exemplo emblemático dessa geração digital é o caso de Arthur Duval, eleito deputado estadual por São Paulo com expressiva votação, mas cassado em 2022 após declarações machistas durante uma viagem à Ucrânia, no início da guerra contra a Rússia. Em áudios vazados enviados a colegas por WhatsApp, Duval — que viajava alegando missão humanitária — afirmou que as mulheres ucranianas “são fáceis porque são pobres” e que pretendia voltar ao país para “pegar mulheres”. O episódio provocou indignação nacional e levou à cassação de seu mandato pela Assembleia Legislativa de São Paulo. Outro caso claro de como a falta de preparo e o deslumbramento com a fama virtual geram figuras públicas de cabeça fraca, incapazes de representar com dignidade o povo brasileiro.
A política passou a ser movida por “filmezinhos”, “cortezinhos”, “coisinhas bobas”, que pela via da repetição digital transformam anônimos em candidatos competitivos. E o que é mais grave: uma multidão de seguidores, movida mais por emoção do que por consciência política, transformou-se em eleitorado fiel de gente que jamais provou competência real. É o retrato de uma inversão profunda de valores, onde o brilho de um story supera o suor de um mandato.
Claro, alguns desses nomes têm mostrado trabalho e articulação — mas Zambelli não é um desses casos. Pelo contrário: ela representa a distorção mais clara da nova política digital. Subiu tanto à cabeça que acreditou que empunhar uma arma em plena eleição renderia mais seguidores, mais curtidas, e mais votos. Olha o delírio: correr armada pelas ruas em busca de mais influência.
O que resta agora é uma deputada condenada, presa no exterior, desacreditada no próprio grupo político e isolada em um cenário onde o engajamento não comprará liberdade. A Lava Jato desenterrou crimes graves — mas também plantou sementes de uma nova geração política que, se não for guiada pela responsabilidade, poderá continuar gerando decepções ainda maiores do que os escândalos que ajudou a denunciar.