Coluna Miguel Simão: Dilza Santos Policarpo – relato de uma mulher que venceu barreiras

Texto: Professor Miguel João Simão

Escritor e Pesquisador.

Num caminho, entre uma casa e outra, aos fundos da prefeitura municipal, no Centro de Ganchos, lá em cima do morro, mora dona Dilza.

Uma bela vista que mostra todo povoado de Ganchos, e a beleza do mar, visto por ela a todo instante da janela da sala.

Hoje, quem vê o sorriso fácil e muita tranquilidade no olhar de dona Dilza, não imagina os momentos difíceis que ela viveu em sua infância e adolescência. Filha de Dalvina Elysa (de Jesus) dos Santos, de Armação da Piedade (Governador Celso Ramos) e de Rodolpho Pedro dos Santos, conhecido por Rodolfo Vieira, natural de Tijuquinhas (Biguaçu), Dilza nasceu em 08 de julho de 1941 em Canto dos Ganchos.

Davina Elysa de Jesus, nasceu em 06 de dezembro de 1913 e é filha de José Francisco Monteiro e Elysa Julia Martins.

Rodolpho (1893 – 1969), nasceu em Tijuquinhas (Biguaçu), filho de Pedro Antonio dos Santos, e Maria Rita dos Santos.  Pescador, vivia a maior parte de seu tempo no mar, trabalhando nas embarcações de amigos e companheiros de pesca.

Em 1935, Rodolpho foi trabalhar na Armação da Piedade, já que a pesca por lá estava favorável. Num domingo de folga foi numa domingueira junto com os companheiros de pesca, e lá conheceu Davina que carinhosamente ele a chamou de Vina. O que começou com um flerte, terminou em casamento. No dia 09 de novembro de 1935, aos 44 anos de idade Rodolpho se casa com a jovem Davina de 22 anos.  Rodolpho escolheu Canto dos Ganchos para morar, pois o irmão Pedro Vieira (casado com Santa Oliveira – irmã de Alzira Baldança, dona Zizi) morava na localidade e trabalhava numa lancha, onde 

Rodolpho passou a trabalhar. Da união de Rodolpho e Vina nasceram 3 filhos: Vilmar (falecido), Dilza e Maria Eliza.

Dilza, a nossa protagonista teve uma vida de muito trabalho e sacrifício. As difilcudades eram muitas, segundo relata Dilza, que viveu uma vida de trabalho ao lado da mãe. Lembra que o irmão Vilmar que carregava a lenha na maioria das vezes: “O mano tadinho, desde pequeno sofreu. Era muito pesado carregar aquela lenha do morro nas costas. Ele começou na embarcação novinho tadinho, mas nunca correu do serviço, sempre foi trabalhador. A gente mal tinha tempo pras outra coisa. Tivemos pouco tempo na escola, não deu para aprender quase nada. Dona Dalma foi professora minha e do mano, mas sabe, a gente não se esforçava e ainda o pai e a mãe da gente não faziam força pra gente ficar na escola. Filho naquele tempo, era pra trabalhá pra casa”.

 

Sobre o pai ela se lembra da luta da pesca e o perigo do mar:

 “ O pai pescava de rede com seu Antonio Pedro (Antonio Pedro das Mercês) e trabalhou também com seu Waldemiro da dona Isaura (Waldemiro Lobo). Uma vez, não me alembro com quem, mas a lancha foi no fundo e eles ficaram 8 dias numa ilha, acho que foi na Galés. Disse que a única coisa que tinha pra comer era ovo de gaivota e de trinta réis. Em terra todo mundo apavorado já com a esperança perdida, todo mundo dizia que eles tinham morrido. Era um sofrimento vê a mãe abaixo de remédio pros nervos. Uma coisa assim deixa a família arrasada, sem saber até o que fazê. Mais aí os outros pescadores começaram a procurar por tudo quanto era lado e encontraram eles na ilha. Foi uma festa só quando eles vieram pra terra”.

 

Dilza fala também do trabalho da mãe, sua luta diária, pois não podiam depender apenas do dinheiro que o marido recebia da aperte que lhe tocava como pescador.

O meio de sobrevivência vinha do que plantavam, e da caça e pesca, com ferramentas e métodos ainda primitivos, mas que eram essenciais para manter o sustento da casa. Vida precária, mas com a mesa farta de peixes e moluscos, além das frutas e verduras que plantavam, ou que em forma de escambo deixavam para os agricultores, frutos do mar e traziam para as casas, fruto da terra. Os homens se dedicavam a pesca e nos finais de semana a caça de animais.

Dona Dilza, casou cedo como muitas meninas da época, era como encontrasse a liberdade, sem saber o preço que muitas vezes, algumas delas haviam de pagar futuramente. Na maioria das vezes, o rapaz era bem mais velho do que a moça. Poucas moças casavam na igreja por falta de condições financeiras. Quem conhece bem as histórias de Ganchos do passado, sabe que o namoro terminava em fuga dos casais, algumas das vezes com o auxílio da própria mãe, que facilitava a fuga para ver a filha casada e livre da boca do povo.

Era o ano de 1954, numa localidade pesqueira longe de toda modernidade da cidade grande, Dilza encontra-se com 13 anos de idade e já recebe os primeiros recados de um pretendente.

Amigos de ambos facilitaram o encontro, e logo veio o convite para fugir. Menina sem experiência de vida, recorre a mãe que a incentivou a casar.

“Falei pra mãe, que o Ireno tinha me convidado pra fugir, pra morar na casa da mãe dele. Daí minha mãe assim: te arranca guria, tas esperando o que mais? A vida é assim mesmo, vai fazer a tua vida, ou qués continuar nessa pobreza de sempre? Vai ter a tuas coisas, dizia a mãe. Aí pensei mais um pouco e numa noite ele esperou o pai dormir e eu fugi com ele. Fomos morar com a minha sogra. Vivi lá 5 anos, até construir nossa casinha. Ele era esforçado e a minha sogra tadinha, era uma pessoa muito boa, muito boa mesmo”.

Dilza casou aos 13 anos de idade com Ireno Argemiro Policarpo, de família nativa de Canto dos Ganchos.

Ireno, era filho de Argemiro João Policarpo e Joana Rita

Ireno não teve uma vida voltada à pesca como a maioria dos homens da localidade. Era artesão de balaios e cortador de lenha.

“Tu conhecesse bem ele, o Ireno né? Nunca foi homi de pescar, Não era do gosto dele. Vivia de fazer balaio, de tirar lenha no mato pra vender, de colhê café prus outros. O que safou um pouquinho foi quando foi trabalhá de servente de pedreiro quando foram fazer (construir) a escola daqui dos Ganchos (Escola DR. Aderbal Ramos da Silva) e a do Canto (Escola Abel Capella). Graças a Deus, seu Miguel Flôr arranjou esse emprego de servente de pedreiro pra ele. Foi ai que vimo memo um dinheirinho entrar. Ele acordava cedo e se tocada a pé prus Ganchos. Quando acabousse a obra ele voltou a fazer balaio”.

Aos 15 anos, Dilza já é mãe de seu primeiro filho, Sérgio Ireno Policarpo. Ela fala das dificuldades que encontrou na vida e principalmente no casamento. O esposo ganhava pouco, e ela para ajudar lavava roupas para fora e fazia crivos para ajudar nas despesas da casa.

Numa época onde os recursos para a saúde eram precários, e quando tinham que ir para Florianópolis de lancha para buscar num hospital a solução de problemas de saúde, muitas vezes enfrentava o mal tempo e o mar bravo. Essas situações que davam um sentimento de abandono geravam conflito no coração dos familiares do enfermo e quando se tratava de crianças a dor da mãe ainda eram maiores.

Muitas vidas se perderam nessa região de Ganchos, por falta de atendimento médico, pela carência das famílias. Dilza foi uma das mulheres que teve a tristeza de ver o seu segundo filho falecer sem nada poder fazer. Djalma nasceu em 1959, e aos 5 meses de idade teve 

um problema de saúde que ela (Dilza) mesmo não sabe explicar, e em poucos dias veio falecer.

“Ele tadinho chorava muito. Eu me apavorava de ver aquele anjo chorar e nada poder fazer. Era uma dó.. A gente dava chá e nada aliviava. De repente ele parou de chorar e a gente viu que o menino tinha morrido”.

As lágrimas nos olhos de dona Dilza, foram visíveis. Ela presenciou passo a passo o sofrimento da criança, e sua angustia é de não ter feito o necessário para que a criança sobrevivesse.

E ela comenta:

“Hoje em dia é tudo muito fácil. Tem posto de saúde, tem ambulância, tem remédio nos posto de saúde, tudo facilita. E ainda as estradas boas e carro que chega na cidade num instante. Naquele tempo era tudo muito difícil, muito complicado pra gente. Não tinha pra onde a gente correr. Os pobre tinha que se apegá a Deus e pronto, porque se não fosse a providência Divina pru pobre não tinha mais nada. A miséra era braba naqueles tempo, até pra comprar o que comer. A gente comprava na venda do seu Miguel Flor e pagava com o dinheiro da colheita. Tadinho, homem bom de coração, aguentava a gente no fiado o ano todo e nunca negou a venda pra ninguém. Quando ele se mudou pra Biguaçu fechou a venda, mas antes levou nós no seu Deodato da dona Delorme e apresentou nós como freguês bom, ai o seu Deodato passou a vender pra nós da mesma forma, pra pagá na colheita do café. Dona Delorme também foi uma mãe pra nós. Hoje em dia é tudo na fartura. Tenho televisão aqui (na sala) e no quarto, tenho as coisinhas tudo nova, comprado com meu dinheiro. Graças a Deus!!!1

Dilza, viveu com Ireno durante 37 anos, até quando ele faleceu em 1991.

Já residindo em Ganchos do Meio, dois anos depois de enviuvar, Dilza casou com o senhor Tolentino José Bernardes, falecido em 11 de dezembro de 2012, seis meses após ficar doente.

Nesse casamento, dona Dilza, teve uma vida mais tranquila e uma situação melhor. Tolentino era pescador aposentado e deixou a ela uma casa onde mora até hoje.

“Tolentino era um homi bom de coração. Nem se compara a vida que tive junto com ele. Não impilicava com nada, era sempre me fazendo agrado e nunca me deixava nada faltar. Graças a Deus tive ele na minha vida. Hoje os filho dele me procuram, são todos gente do bem que eu gosto muito”, conclui dona Dilza.


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