Coluna Miguel Simão: Hugo Otávio Alves – Um gancheiro que tem histórias para contar.

Texto: Professor  Miguel João Simão

Escritor e Pesquisador

O cenário, conta com uma vila de pescadores dependente de tudo quanto é recurso na área da saúde, transporte e educação e os personagens aqui descritos fazem parte da família Alves, descendentes de Adolpho Alves da Silva e Francisca Alves.

Adolpho Alves e Francisca Alves moravam em Caieira do Norte (Governador Celso Ramos) e fixaram residência em Canto das Ganchos próximo as instalações da praia do Isidoro.

A antiga propriedade sem quaisquer resquícios ficava onde atualmente a prefeitura conta com uma instalação do SAMAE, em frente a Rodovia municipal.

Hugo Alves, viaja no tempo e descreve a propriedade do avô onde nasceu seu pai:

“Era uma casa muito grande, de paredes largas construída pelos escravos, meu avô falava. Nessa casa meu pai e os irmãos dele, tudo se criaram. Meu avô Adolpho Alves, era pescador e ali também tinha plantação. Nas proximidades além do rancho do vovô, tinha também o ranho do seo Isidoro e do seu Francisco Oliveira”.

Otávio Adolpho Alves, (pai de Hugo) casou com Hilda Maria de Oliveira. O casal teve 4 filhos: Jandira, Judésia, Hugo e Aroldo.

Hugo Otávio Alves, nasceu no dia 25 de maio de 1930 em canto dos Ganchos.

Marcado pelas dificuldades que a vida lhe impôs, seu Hugo se orgulha de poder olhar para os filhos e falar que venceu todos os obstáculos de forma digna, com honestidade, sem precisar fazer nada de errado, ou algo ilegal para subir na vida.

Aos dois anos de idade perdeu o pai, acometido por doença até hoje para ele desconhecida (naquela época falavam pouco sobre doenças- as pessoas evitavam falar principalmente na frente das crianças e de estranhos).

Com o falecimento do pai, a família ficou dependendo da comunidade e dos parentes. Numa terra onde o peixe e a farinha eram fartos, era difícil alguém passar fome, embora houvesse outras necessidades básicas.

Dona Hilda, sofreu muito para criar os filhos, foi um tempo de depender dos outros e viver na fé, até os filhos crescerem para ajudar nas despesas do sustento da casa. Ela lavava, passava roupas, escalava peixes para receber míseros tostões da época, mas era isso que dava força para ajudar a criar os filhos.

“Era tudo muito difícil. A gente tinha que sair nas portas dos zoutros, pedir ajuda pra comer. Minha mãe coitada era uma mulher de luta, trabalhava de sol a sol para vê nós bem”.

Essas nuvens negras serviram de estímulos, para que eles buscassem o azul do céu em suas vidas. Tornaram-se homens e mulheres de bem.

Aos 12 anos de idade, Hugo e o irmão Aroldo, já começaram a trabalhar, por onde tivesse serviço, lá os dois estavam.

Trabalhando nas pequenas embarcações, Hugo aprendia a profissão de pescador onde teve a oportunidade de pegar uma vaga numa embarcação maior.

Aos 16 anos de idade enfrenta o alto mar, pescando longe de sua região e permanecendo dias sem vir em casa, como aconteceu em julho de 1948 numa viagem para o Campeche (Florianópolis) retornando só em novembro.

“Peguei uma vaga boa com Seu Antonio Pedro, em duas embarcações dividida entre dez homens. Aí deixamos passar a festa de São Pedro, que nessa época de festa de São Pedro os pescadores ficavam em terra. No dia 02 de julho saimo mar a fora rumo ao Campeche, Fiquemo lá 5 mês sem vir em casa. Era eu, o meu primo Nelson (filho do Estácio Alves), o Lela, o Olício Peixoto, mais outros. Lá a gente fez um rancho e se metia dentro.

Tudo que a gente pescava a gente mesmo limpava, salgava e colocava no sol para secar. Daí de 15 em 15 dias, o Seu Miguel Flor, vinha com a lancha dele e trazia o rancho pra nós comer, e levava o pescado salgado para revender. Ele comprava de nós e vendia em Florianópolis, Tijucas, por ai a fora. Dai quando chegava trazia a conta pra gente e entregava o dinheiro pra família. Era tudo certinho, a gente trabalhava duro mais ganhava pelo menos pra ajudar em casa”.

Depois de um tempo sem vir em casa, Miguel Pedro dos Santos (Miguel Flor), faz a viagem ao Campeche para levar a triste notícia ao chefe do grupo de pescadores Antonio Pedro das Mercês. Num acidente no morro do Vira Saia (região hoje onde tem a conhecida reta do Marcelo), a senhora Teodolina, conhecida por Dona Doca, esposa de Antonio Pedro, e irmã de Miguel Flor, sofreu um acidente de carro (jipp) onde acompanhava o casal Leopoldo Wollinger e Júlia Santos Wollinger. No acidente Dona Doca, é lançada para fora do carro e tem ferimentos graves, internada não resiste e falece. A triste notícia abalou todos os tripulantes pelo carinho que tinham com o mestre Antonio, e com a senhora Teodolina. Seu Hugo, conta que foi como uma bomba a notícia, pois ficaram todos sem saber o que fazer.

“ Foi assim, quando a lancha do Seo Miguel Flor apontou lá longe, a gente já imaginou que alguma coisa tinha acontecido com a familha da gente, porque não era época dele vir. Daí Seo Antonio Pedro já chamou todo mundo com aquela paciência dele e já avisou: Olha pessoal, o Miguel tá vindo ali, então seja o que for a gente tem que ter calma. Deve ter acontecido alguma coisa já que ele tá chegando fora da época, então vamo se prepará pro que der e vier.

Coitado! Todo mundo ficou com pena dele. Parecia que o home queria dar um negócio de tão branco que ficou. Daí os dois se abraçaram e foi uma choradeira só. Seo Antonio, sempre tão bom teve que passar por isso coitado, foi de dar dó.

Aí arrumemo tudo as tralhas e viemos simbora. Dessa época pra cá, comecei a trabalhar embarcado como pescador profissional”.

Ainda em dezembro de 1948, Hugo viaja para Santos passando a trabalhar na pesca industrial onde permaneceu por durante 35 anos dedicados a profissão, sendo os últimos 20 anos na condição de “mestre de barco” ou Patrão de Pesca.

“Meu primeiro embarque em Santos foi numa parelha com Seo Jaime dos Passos. Meu cunhado João, casado com minha irmã Jandira arrumou essa vaga para mim. Foi bom trabalhar com Seo Jaime, ele ensinava a gente, sai de lá preparado para qualquer barco era só ter vontade de aprender”.

Nas idas e vindas a terra onde nasceu, conheceu Davina. Jovem, bonita, de boa família, Davina, frequentava a localidade de Canto dos Ganchos por ser sobrinha da Professora Dalma Azevedo, que ela sempre visitava.

Hugo diz que foi amor a primeira vista, que a paixão por Davina, aconteceu apenas no olhar.

O namoro durou por 6 meses, e ai então veio o casamento no civil, ele com 22 anos de idade e ela com 18 anos.

Dois fatos que aconteceram durante o namoro com Davina que ele não esquece: “num dia eu tinha arrumado peixes e para agradar ela (Davina) consegui emprestado uma bicicleta para ir levar os peixes em Tijuquinhas. Nessa época eu trabalhava na padaria do Maneca padeiro, e o filho dele, o Nivaldo me emprestou a bicicleta. Coloquei os peixes na bicicleta, subi o morro empurrando ela e quando achei que dava para pedalar montei na bicicleta. Dei um tombo que parou peixes para tudo quanto era lado. Mas não desisti não. Cheguei lá com os peixes sãos e salvo”.

Outro fato que comenta foi a compra do primeiro terno. “Na época era quase uma obrigação os moços ter um terno. Juntei um dinheirinho e fui na loja do Seo João Baldança e comprei o tecido. Seo Belarmino que fez o terno. Fiquei chique né Davina?”, perguntou ele. Dona Davina sorriu e disse: - Muito!1 ficasse lindo.

Alugou a casa da senhora Noêmia Oliveira, (dona Ema do Tio Antônio), esposa de Antonio  (Hemenegildo) Pedro das Mercês, e nessa casa permaneceram por 3 anos, sendo que a filha mais velha do casal (Vânia), nasceu enquanto moravam lá.

Dedicado ao trabalho, o objetivo maior de Hugo era poder se livrar do aluguel e para isso conquistou com muito sacrifício sua primeira casa.

“Compramos todo madeiramento em Palmas. Daí trouxeram de carro de bois até Ganchos do Meio e de lá agente trouxe em canoas para o Canto dos Ganchos. Daí mandamos para Tijucas para beneficiar a madeira, pleinar, essas coisas. Era um tempo difícil, muito difícil, mas a gente tinha que passar por tudo isso para ter algua coisa na vida. Fiz a casa aqui mesmo no teereno da mamãe e até hoje tou aqui.”

Seu Hugo é com certeza um grande vencedor. Hoje ver seus filhos e netos encaminhados e poder ter conquistado com dignidade uma vida saudável a família, não tem preço.

Hugo e Davina, tiveram cinco filhos  (a filha Raquel, é falecida).

 

 


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